15/08 - 10:40 - Klinger Portella, do Último Segundo
SÃO PAULO - A cerca de 8 mil metros de profundidade, o Brasil acumula uma riqueza recém-descoberta que pode chegar a US$ 7 trilhões. Trata-se de estimativas - ainda não oficiais - sobre as reservas de petróleo da chamada camada pré-sal, que variam de 50 bilhões a 100 bilhões de barris (multiplicados aos US$ 70 do preço mais recente da commodity, chega-se então à cifra trilionária). Para não desperdiçar tamanho potencial financeiro, o governo coloca na mesa as discussões sobre as novas regras para a exploração do petróleo no País. O pré-sal, claro, está no centro dos debates.
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A ideia inicial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva era apresentar as novas regras na reunião ministerial, marcada para o próximo dia 19, em Brasília, e, em seguida, levar o projeto para votação no Congresso. No entanto, na última sexta-feira, a apresentação da proposta foi adiada para que o governo possa ouvir as empresas do setor.
Mesmo assim, a expectativa é que a decisão sobre as novas seja tomada nas próximas semanas. Os planos da Petrobras prvêem que a exploração em larga escala do pré-sal comece a partir de 2015.
Desde julho de 2008, uma comissão interministerial foi criada a pedido de Lula para estudar e propor as alterações necessárias na legislação. Nas últimas semanas, as propostas foram levadas ao presidente e a decisão pode estar prestes a ser anunciada.
Apesar de ainda não detalhar pontos centrais (como a participação da Petrobras na exploração e o percentual da distribuição dos royalties entre União, Estados e municípios), o governo levará ao Congresso três projetos distintos: um criando o fundo de desenvolvimento social – que receberá os recursos -, outro sobre as regras de exploração e um terceiro autorizando a criação da nova estatal que vai administrar os campos, chamada provisoriamente nos bastidores de Petrosal.
Concessão ou partilha
A lei de número 9.478, de 1997, chamada Lei do Petróleo, estabeleceu no Brasil o modelo de concessão na exploração. Neste formato, a União realiza uma licitação e a empresa que oferecer o maior retorno financeiro ao governo ganha o direito de explorar o campo por um prazo de 30 anos, pagando royalties que variam de 5% a 10% da receita (dependendo do potencial de produção do campo), mais participação especial de 10% a 40% dos royalties, além de impostos que incidem sobre as empresas no País. Este modelo é adotado em países como Estados Unidos, Inglaterra e Noruega.
Petrobras/Divulgação |
Lula na plataforma P-34 |
Segundo analistas consultados pelo Último Segundo, o modelo de partilha tende a ser o escolhido pelo governo.
"Os dois sistemas não sem nem bons, nem ruins", compara Roberto Ardenghy, coordenador de Relações Externas do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP). "A única coisa que deve ser colocada é a questão de quais regras públicas serão adotadas, para que haja igualdade de condições."
Veja as principais diferenças entre os dois modelos
Fonte IBP | CONCESSÃO | PARTILHA |
Propriedade | Estado | Estado |
Receita Bruta da Contratante | Venda da produção do petróleo | Venda de parcela na produção |
Propriedade dos Bens | Empresa Contratante | Companhia Estatal |
Liberdade Operacional | Alta | Subordinada à estatal |
Receita do Governo | Royalties, impostos, Participação Especial | Venda de parcela na produção |
Quem fica com o dinheiro
No centro da discussão sobre o modelo de contrato a ser adotado está a questão do pagamento dos royalties. Pela legislação atual, o governo chega a ficar com até 50% das receitas das operadoras, com cobranças de royalties, participações especiais e demais tributos. Os recursos são divididos entre União, Estados e municípios. O presidente Lula, em reuniões com a comissão interministerial, defendeu uma concentração maior dessa verba nas mãos da União.
"Hoje, a renda é dividida em cerca de 60% para Estados e municípios e 40% para a União. O governo propõe um fundo onde a maior parte da renda do pré-sal passa a ir para a União. Ele quer 80% e 20% para Estados e municípios, que, claro, brigam para não perderem renda", avalia Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).
Segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a questão dos royalties não entrou no projeto de lei que cria o modelo de regulação do pré-sal. "Esse não é o foco agora", explicou, na quinta-feira (13), em evento na Bahia.
Petrobras/Divulgação |
Navio-plataforma da Petrobras |
Na proposta do governo, será criado um fundo de desenvolvimento social, que receberá os recursos do pré-sal para destiná-los a projetos de saúde, educação e habitação. Neste caso, a maior parte das receitas será gerida pela União.
Parlamentares do Rio de Janeiro – Estado que mais recebe royalties no País – já iniciaram mobilização contra a proposta. Não é por menos. O pagamento de royalties no ano passado totalizou R$ 10,94 bilhões e já chegou a R$ 1,222 bilhão entre janeiro e maio deste ano, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Somente o Rio de Janeiro ficou com R$ 147,5 milhões nos cinco primeiros meses do ano. (Veja a lista dos municípios campeões dos royalties no gráfico abaixo)
"A ideia do fundo não é ruim. Mas, politicamente, é complicada, porque o governo vai ter de convencer Estados e municípios a ceder parte da renda, o que não é fácil. O problema é fiscalizar o gasto desses recursos. Historicamente, vemos que as verbas no País nunca vão para o destino combinado", critica Adriano Pires, do CBIE.
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O papel da Petrobras
Outro tema ainda pendente na proposta que deve ser levada ao Congresso diz respeito à posição que a Petrobras vai ocupar na exploração do pré-sal. O governo defende que a companhia seja a única operadora no pré-sal, como forma de capitalizar a empresa, diante dos altos custos de operação, que podem chegar a US$ 300 bilhões.
O presidente da companhia, José Sérgio Gabrielli, argumenta que a Petrobras deve ter, no mínimo, 30% de participação, para que o negócio seja economicamente viável. O governo, por sua vez, não quer estabelecer um percentual fixo, fazendo com que a participação da companhia varie em cada campo licitado.
"Alguns juristas afirmam que para a Petrobras ganhar a operação dos campos sem licitação, seria necessário mudar o primeiro parágrafo do artigo 61 da lei do petróleo e também o primeiro parágrafo do artigo 73 da Constituição, que trata das empresas de economia mista", explica Pires. "O governo quer fazer uma licitação para convencer as petroleiras estrangeiras a ser uma espécie de parceira financeira nos campos. Elas vão receber em óleo, mas sem operar o campo. Isso diminuiria o interesse das empresas", completa.
Petrobras/Divulgação |
Lula e Gabrielli na primeira extração |
Walter de Vitto, da Tendências, defende que o governo deve concentrar a maior parcela do petróleo, mas acredita que a Petrobras não deve ser privilegiada.
"Uma coisa é o governo, como nação, ficar com a parcela maior do petróleo e outra coisa é criar vantagens para a Petrobras, que é uma empresa que o governo controla, mas que tem muitos investidores privados, inclusive estrangeiros. A Petrobras deve ser tratada como empresa privada e concorrer pelos blocos como qualquer outra empresa."
Visão diferente tem Roberto Ardenghy, do IBP. "A Petrobras é a maior empresa brasileira. Tem uma história enorme e bem sucedida no setor. É a líder mundial em pesquisas em águas profundas. A participação dela é uma coisa crucial. Como isso vai ficar, é uma decisão do governo. Mas vemos com naturalidade a participação da Petrobras."
Nova estatal
Com o propósito de não conceder "super-poderes" à Petrobras e não dar à iniciativa privada um bem nacional, o governo criará uma nova estatal para administrar os campos do pré-sal, seguindo o modelo adotado pela Noruega (que tem servido de base para os estudos da comissão interministerial).
"O modelo que o governo pretende adotar não tem nenhum problema. Temos países como a Noruega, onde tem uma estatal para o petróleo. A existência de uma estatal para fazer o gerenciamento é absolutamente natural", defende Adernghy.
Para Adriano Pires, a Petrosal é desnecessária. "Isso só vai aumentar o custo no Brasil. A tendência é que estatal vire cabide de emprego por aqui. Nós já temos a Petrobras, será que precisamos de outra? Mas isso deve ser aprovado facilmente, porque não conheço partido político que não goste de ter estatal", conclui.
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